terça-feira, 25 de novembro de 2008

Um clamor

No início de nossa história, índios derramaram suas lágrimas ao assistirem dolorosamente a perda de sua terra. Anos mais tarde, Chico Mendes, abraçando a causa de seringueiros e de uma Amazônia em risco, representou e chorou as lágrimas (talvez as mesmas dos índios?), agora de quem, já naquele tempo, ouvia os pedidos de misericórdia do “pulmão do mundo”.
E é pelo sentimento paternal indígena, pelo heroísmo de Chico Mendes e por um claro clamor pela nossa vida (e, sim, de nossas gerações futuras) é que se grita por atitudes factuais de preservação de uma terra fundamental para a sobrevivência humana.
Se aparentemente os vilões são aqueles que ilegalmente desmatam terras em troca de seus próprios benefícios comerciais, por exemplo, que o Governo Federal entre em real ação e forme fiscais, não burocráticos apenas, mas que em seus corações carreguem a verdade o amor de nossos heróis do passado. Para que as punições e proibições (severas sejam) ocorram como resposta em grito universal de filhos que defendem e brigam por suas mães.
Punir com rigor e inteligência. Mas, antes, levantar bandeiras de luta, amor e verdade.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A saída

O calor do asfalto na metrópole borbulhante aquecia o coração de Sara. Depois da noite intensa, de amor e fim, estava exausta, tensa... miúda. Suas pernas não aguentavam seu peso leve. Não respirava sem sentir pontadas de medo. Do mundo sem ele. Não mais. Nunca mais. O sinal vermelho lhe deu passagem para seguir em frente... mas errara o caminho... e não voltou... Seguiu. Chorou.
Não colocou as mãos no rosto porque sentiu certo prazer em ver que desconhecidos estariam parcialmente cientes de sua dor. Queria mostrar ao mundo sua fragilidade, sua tragédia. Sem mais forças, sentou na calçada vazia. Então cobriu o rosto, porque aquele momento haveria de ser só seu.

Cambaleando como todo filhote desengonçado, um vira-latinha que tentava latir procurou apoio nas pernas de Sara. Lá, se aconchegou. Os olhos vermelhos e pequenos dela viram a cena inesperada. E bonita. Não quis se movimentar muito para não acordar o cão que, agora, dormia em paz. E se concentrou na paz do filhote. Se emocionou com aquilo... Era engraçado usar as mesmas lágrimas que antes eram de dor cortante, para expressar o belo, o comovente, o real.
O cãozinho acordou e imediatamente olhou para ela... Era o olhar mais sincero e singelo que Sara jamais esperou um dia ver. A moça tirou sua jaqueta e enrolou confortavelmente o filhote. Levou-o para casa. Para sua nova vida.

sábado, 1 de novembro de 2008

Sem ela

Não é saudade que sinto. É dor, é o vazio. Seco, me falta o ar e as lágrimas não correm porque o choro sai pesado. Então, há uma dor de cabeça, leve, mas que grita pelo escuro, pela solidão. Deitado, mais suave, abraço a falta. Lembro da vida de antes, do mundo de antes. Como sorria fácil, como era bom... E não a tenho mais. Quis ser perfeito, ser bom, ser melhor. Poderia ter quisto mais. Um último carinho talvez me confortasse. Mas não houve. Daí o vazio? Não, não haverá mais felicidade plena. Porque a minha alegria, era o orgulho dela.
Materno, ingrato.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O beijo molhado

Tinha tudo para ser legal. Ele, um carinha bacana aquela vitalidade jovial e uma alegria quase irritante. Ela, tão jovem quanto, mas com a chatice das meninas de quinze anos que se acham muito mais bonitas do que são, mesmo com aquelas espinhas mal cuidadas e o cabelo meio bagunçado. E ele gostou dela. Sexta-feira seria o dia. Ficariam, se conheceriam... e se gostariam. Mas a chatice da menina prevaleceu: "Estranho... ele beija molhado...", foi o comentário malvado que a menina fez pro amigo de ambos que apresentou os dois. "Foi legal, mano!!...", era o pensamento feliz do carinha bacana antes, claro, de ficar sabendo do veredicto da menina. Ele ficou magoado a beça, decepcionado consigo. "E existe beijo seco?!!!". Ela permaneceu naquele mundinho imaginário e pequeno, onde era bonita, interessante e protagonista da Malhação. Onde ela era melhor que ele.
No dia seguinte ele ainda tava irritadão porque ficou a noite inteira pensando nela. Por que?! Burro!
Os dias se passaram e numa esquina qualquer do bairro ele a encontrou saindo de uma farmácia de manipulação com inúmeros cremes e remédios, todos para suas espinhas, que pareciam maiores. E analisando bem, teve vontade de lhe dar um bom condicionador e indicar o cabeleireiro mágico que viu na TV. Só pra dar uma melhoradinha, vai?...

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O início

A manhã de um azul emocionante era o cenário perfeito para a alegria de Mariana. Respirava com certa dificuldade quando lembrava que estava vivendo o amor. De verdade. Tinha dormido levemente, sem sonho nenhum. Pois já havia sonhado enquanto estava acordada, ao lado daquele que a despertou para um mundo onde o infinito era palpável e a felicidade tinha sabor enjoativo. Seria para sempre e doce. O telefone tocou. Era ele. E ficaram horas conversando sobre qualquer coisa, mas quaisquer coisas interessantes, porque tudo ficara interessante. No meio da conversa, deu uma vontade alucinante de estar com ele, perto e inteira. Vinte minutos depois se encontraram. Estava mais bonito, mais branco, com saudade. E, inteira, o abraçou. E naquele abraço o sentiu humano. O apertou mais forte. E ele retribuiu. As respostas entre eles tinham aquele imediatismo do começo, a preocupação do começo. O sentindo como ser humano, Mariana sentiu também a realidade, que reagiu como dor fina no estômago. Poderia não ser para sempre. Entendeu. Mas houve um alívio acolhedor, quando ouviu do homem que ele a amava.
Sim, poderia não ser para sempre. Mas era agora.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Uma vida levando

Jamais pude imaginar
Que o mundo poderia criar
Alguém como ela
Ela quem?

Nem ela mesmo sabe
Quem é ou quem poderia ser
Só sabe que sua vida
É não saber

Acorda pro dia infeliz
E feliz ela sonha em sofrer
Pra quando chegar em casa
Poder, enfim, descansar

Pra no outro dia acordar
E voltar a viver e começar a morrer
E assim ela vai levando a vida
Que anda sem sair do lugar

Não sabe que pode um dia amar
Não sabe que ele é pra beijar
Só sabe que o desejo que sente
É pra guardar

Olha pra mulher que faz sucesso em cantar
Olha para o homem que dorme na porta do bar
Olha pro relógio atrasado
E dorme em paz

domingo, 28 de setembro de 2008

O boneco

O retrato em preto e branco apertou sua ferida. Que doía e sangrava em lágrimas de saudade maior. Porque o amor era maior. Dormiu com a foto acolhida em seus braços. Na verdade a foto o acolhia mais. Não dormiu, descansou seu coração... aliviou seu sofrimento. Quando acordou na madrugada solitária e triste, chorou em silêncio... chorou vazio. Perda.
E ainda era criança. Injusto. Sua mãe, a perda, tinha lhe dado um boneco de pano simpático, apertável, sorridente. O abraçou. O pai não o confortaria tanto. E o boneco passou a se chamar Tico. Seu companheiro, seu remédio. E Tico ganhou alma, sorriso de verdade e só não falava para não assustar os outros. Era na noite, sempre antes de dormir, que tagarelava as maselas do cotidiano de forma bonita e divertida.
Voltou a sorrir... e aprendeu a esquecer.

Anos mais tarde, o menino, já homem, encontrou Tico em um baú de coisas velhas. Limpou o boneco... e, não resistiu, o abraçou também... e com ele ficou poucos longos minutos. Sim... a alma de Tico estava lá... mas sem dor... era saudade. Pura. Justa. Amadurecida. Agora era a lembrança bonita, selecionada... e feliz.